Análise de Obra: The Promised Neverland.
Esse texto foi originalmente publicado no meu perfil do Medium (link na Bio) em fevereiro de 2022. Fiz algumas pequenas alterações antes de publicar aqui.
Depois de desanimar nos capítulos finais, finalmente terminei de ler o mangá de The Promised Neverland. E ainda bem que o fiz. Pois com certeza é uma história que vale a pena.
Nesse texto irei comentar sobre a obra como um todo (anime e mangá), por isso irei dividir ele em quatro partes. Na primeira, irei apenas tentar convencer aqueles que ainda não assistiram, a darem uma chance para a obra, ou pelo menos para a primeira temporada do anime (muito se fala sobre a segunda temporada ter sido ruim, como não assisti não irei falar dela). Na segunda parte irei comentar sobre a animação lançada em 2019 (primeira temporada), na terceira, sobre a continuação da história no mangá, e a última será uma opinião pessoal sobre algumas questões da história. Cada parte terá indicação de com ou sem spoilers.
Uma boa história. (Sem spoilers).
A história começa nos apresentando o orfanato de Grace Field. Um local para crianças adotivas as quais são cuidadas pela Mama: a única mulher adulta do local. A vida dessas crianças parece maravilhosa. Recebendo todos os cuidados possíveis, brincando no largo jardim da casa, com uma ótima refeição todos os dias e uma cuidadora extremamente carinhosa. Mas logo também reparamos nas inconsistências deste pequeno paraíso. Só há um adulto na casa toda. O local é cercado por uma floresta e o único ponto de contato com o mundo exterior é um grande portão de ferro. Não demora muito para descobrirmos o motivo disso tudo, pois já no primeiro episódio (ou no primeiro capítulo do mangá) uma revelação muda todo o cenário, e descobrimos que nada é o que parece.
The Promised Neverland é uma história de mistério e suspense, que consegue te deixar grudado na tela esperando o que vai acontecer, ansioso por respostas e no mínimo nervoso pelos seus desdobramentos.
Para aqueles que ainda não assistiram, recomendo começar pelo anime (1º temporada), e só depois ir para o mangá, que continua a partir do capítulo 38. A animação lançada em 2019 é ótima, com cenas muito bem feitas, que ressaltam todas as características narrativas que a história do mangá exige: a tensão, o suspense, e o mistério. A adaptação nos entrega tudo que se demanda de uma história como essa, e consegue ser muito melhor do que o mangá nesses estágios iniciais que, nos primeiros capítulos, ainda possui um traço um tanto mal acabado e um pouco estranho, e que não consegue entregar a mesma tensão do anime, apesar da boa história.
O Anime de 2019. (Com spoilers da 1º temporada).
A adaptação do mangá de Kaiu Shirai (roteirista) e Demizu Posuka (ilustradora), pelo Studio Clover Works, foi muito bem recebida pelo público, e não à toa, claro. Como já dito antes, a animação é excelente. Os movimentos são fluidos e as cenas são muito bem pensadas para construir a tensão da narrativa.
A história nos mostra o orfanato de Grace Field, um local para crianças órfãs que logo no final do primeiro episódio descobrimos ser na verdade, uma espécie de fazenda de humanos, que são enviados como alimento para estranhas criaturas chamadas de demônios. A Mama, cuidadora, é na verdade a responsável pelo envio e cuidado da “carne”. Além disso, tudo no local é pensado detalhadamente para simular um orfanato e um local agradável, mas quando os protagonistas descobrem a verdade, percebem os detalhes que mostram como seu amado lar é na verdade uma prisão.
A partir deste momento a história segue com os três protagonistas, as três crianças mais velhas do orfanato, que são verdadeiros prodígios e possuem uma inteligência completamente surreal, e que dão início a um plano para fugirem do local. A história é um verdadeiro jogo de gato e rato, com os protagonistas tendo que planejar e pensar cada detalhe de sua fuga às costas da Mama, que, também muito inteligente, desconfia do plano dos três protagonistas, e consegue fazer um verdadeiro terror psicológico para cima deles. Nos é mostrado que Mama também tem suas intenções, e que simplesmente informar os planos das crianças para os demônios não é tão vantajoso para ela.
Uma parte interessante da história, é a busca das crianças por referências do mundo real. Presos naquele local, seu único conhecimento do mundo de fora vêm de livros, e elas não têm certeza se o que veem é o mundo exterior ou que sobrou dele. As crianças logo especulam a possibilidade de viverem em um mundo pós-apocalíptico, mas não conseguem ter certeza disso. Nós, que assistimos, também nos perguntamos o que exatamente existe do lado de fora dos muros de Grace Field. Infelizmente isso não nos é revelado na primeira temporada do anime. Aliás, foi por conta disso que decidi começar a ler o mangá.
Todo esse mistério e suspense. O jogo entre os protagonistas e a Mama, os detalhes do plano de fuga e o mistério do mundo exterior, criam um ambiente extremamente tenso, e uma história intrigante. A única coisa que me incomoda um pouco é o comportamento das crianças, extremamente maduro para a idade. Por mais que elas sejam verdadeiros gênios, o comportamento delas é muito fora da curva para uma criança de 11 anos. Mesmo as outras crianças do orfanato, que não possuem toda a inteligência dos protagonistas, mostram uma maturidade bastante irreal. Particularmente, isso me frustrou um pouco, pois acredito que seria completamente possível dar profundidade aos aspectos mais “infantis” dos personagens, sem deixar de lado a história e a incrível inteligência deles. Como resultado, temos uma história que sobra em tensão narrativa, mistério e suspense, mas perde um pouco nos personagens, e nas questões emocionais, que parecem ficar um pouco rasas.
O mangá (sem spoilers).
Enquanto no anime temos uma atmosfera de suspense e terror psicológico, no mangá a história parece um pouco mais um shounen clássico. Não que a história em si seja diferente, a 1º temporada foi adaptada fielmente do mangá, mas a sensação que temos acompanhando as duas histórias é diferente. No começo acreditei que fosse por causa do formato, afinal um mangá não tem cenas com movimento; são desenhos estáticos, e a movimentação de câmera no anime é uma das principais ferramentas na hora de criar tensão. Porém, ao avançar a história percebi que a vibe shounen era o que predominava na história, e o anime, em sua direção artística e técnica, que havia alterado um pouco essa característica. Pessoalmente gostei muito mais da atmosfera de tensão do anime do que do mangá, cujos traços, no começo, não são lá muito bonitos. (Nada contra a Demizu Posuka, adoro os desenhos dela, mas no mangá eles estão meio estranhos).
Os problemas de construção de personagem se tornam mais evidentes à medida que a história segue. Apesar das tensões entre os personagens e as questões morais fortes que a história traz, elas parecem acontecer de uma forma sem muita profundidade, de maneira até bastante simplista. Para um universo narrativo tão interessante e original, como o de The Promised Neverland, essas questões pediam um tratamento mais aprofundado, bem como personagens mais complexos, tal qual o próprio universo.
No entanto, a história como um todo é interessante. O mundo e as revelações constantes sobre ele nos intrigam e nos faz querer saber mais sobre o universo da história. As cenas de ação e de tensão são muito boas no geral.
Opinião. (Com spoilers do mangá).
Nunca fui muito fã de personagens idealistas, daqueles que acreditam até o final que podem resolver tudo do jeito que querem, até por isso sempre me incomodei um pouco com histórias de herói, mesmo que eu seja muito fã dessas narrativas. E se você já leu o mangá, sabe que estou falando da Emma, mas não apenas dela. O que o universo narrativo da história tem de complexo, e problemas morais e éticos, também tem de soluções muito simples e ideais.
Quando é revelado que os demônios precisam comer os humanos para manterem sua forma, e que se não comessem, se degradariam em animais, fiquei extremamente animado. Estava ali um problema extremamente difícil de se resolver. Emma não queria matar os demônios, enquanto Norman não enxergava uma forma alternativa de resolver a situação. Como resolver isso? Como proceder diante daquela situação tão complexa? Os demônios nunca foram inteiramente mal, pelo contrário, eram como nós humanos. A maioria comia apenas para sobreviver. Claro que existiam os sádicos e gananciosos, mas como é dito no final da história, os demônios eram um espelho da humanidade.
Infelizmente, com a mesma rapidez com que este problema moral difícil apareceu, ele sumiu. Um demônio especial que tinha a capacidade de impedir a degradação dos demônios apenas dando seu sangue para que bebessem. Confesso que fiquei tão desapontado com essa solução simples que quase dropei o mangá.
Conforme avançamos na história, observamos uma diminuição das características iniciais dela, isto é: uma história que parece muito mais de terror e suspense, se torna cada vez mais “leve”, como um shounen clássico. Em algum ponto da história você nota isso e começa a esperar que as coisas se caminhem mais para soluções ideias do que para a complexificação dos problemas. Ainda assim, essa solução simples me desapontou. Fico feliz que tudo tenha se resolvido no mangá, mas não era bem o que eu esperava no começo da história.
Como dito, o mundo de Yakusoku no Neverland é complexo, e poderia facilmente trabalhar dentro dele, inúmeras questões interessantes. Nossa relação com a comida, questões ligadas a direitos dos animais (vale dizer que não sou vegano), relações entre espécies ou grupos com objetivos que colidem. Muita coisa poderia ter sido explorada, ou simplesmente melhor explorada. Porém, a história tomou o rumo de uma narrativa mais aventuresca, o que, deixando bem claro, não é uma crítica ou demérito. Foi a escolha do autor. Eu gostaria de ter visto outra coisa ali, mas isso é uma opinião minha.
No que The Promised Neverland se propõe a ser, acerta na maioria. É sempre importante analisar uma história ao que ela se propõe. E se a proposta da história é uma narrativa de aventura, com a temática sobre família e cooperação, é preciso também se manter na proposta. Nesse aspecto, Yakusoku no Neverland falha em dois quesitos: na construção dos personagens, que como eu já disse, ou são meio rasos, ou um tanto inverossímeis e na criação de uma expectativa inicial da história que vai se perdendo um pouco ao longo do caminho. Como já disse: uma história que começa bem mais “pesada” e termina de uma forma bem mais “leve”. Essa mudança de tom narrativo costuma funcionar melhor quando feita de forma contrária: de uma história inicialmente mais leve para uma mais pesada, como acontece em Made in Abyss. Ainda irei falar mais sobre isso no futuro, mas por hora, encerro dizendo que The Promised Neverland é uma boa história e que vale a pena a leitura do mangá, já que a segunda temporada decepcionou bastante.